Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
(João Cabral de Melo Neto, “Rios sem Discurso”, 1966)
Estamos habituados a detectar maior ou menor fluência na fala dos seres versados em idiomas estrangeiros. Contudo, por vezes esquecemos de que ser fluente no próprio vernáculo é tão ou mais importante que se expressar em outras línguas. Mas, afinal, o que é fluência discursiva? Será possível exercitá-la, com vistas a aprimorar a maneira como nos comunicamos com nossos colegas e alunos?
Os poetas e filósofos greco-latinos legaram uma metáfora que sugere poderosas analogias entre as palavras e as águas. Essa operação permitiria estabelecer correspondências entre o discurso (fluido) e o leito do rio. Nessa acepção, discursar corresponderia a discorrer, ou seja, falar bem implicaria deixar as palavras (es)correrem de forma abundante, mas organizada; em trajetória ora retilínea, ora curvilínea – conforme a matéria e as circunstâncias pedissem.
Outra imagem, igualmente conhecida, atribuía propriedades do mel ao discurso. Até pouco tempo, ainda era possível captar elogios sobre a fala “melíflua” de alguém, quer dizer, a palavra de um orador eficaz e eficiente conseguiria captar a benevolência de seus ouvintes: soar docemente facilitaria a sedução, o enredamento da audiência.
Os versos de João Cabral reforçam essa poderosa correspondência entre o fluir e refluir das águas e o ir e vir das palavras. Assim como um rio (se) corta, derivando dele porções menores (de água) que perdem sua mobilidade, um discurso que se fraciona ou fragmenta dificulta ao ouvinte perceber a inteireza do percurso – da nascente à foz – que, em potência, o discurso reproduziria.
Há que se recordar que a fluência de um professor não depende necessariamente de maciço investimento em recursos tecnológicos. A habilidade de soar de modo fluido envolve tomar consciência de que é possível evitar o acúmulo de marcas de hesitação, interrupção e repetição.
Obviamente, não se está a ignorar o fato de que a fala está sujeita a essas e outras características. Entretanto, de pouco adianta substituir a construção do raciocínio, que poderia ser demonstrado pela fala, recorrendo-se também a breves anotações na lousa, por textos projetados (e relidos) sobre a parede.
Acresce que a quase totalidade de nossos alunos está imersa em conteúdos digitais, transmitidos dia e noite pelas telas de celular, computador, monitor e televisão. Parece-me razoável supor que a sala de aula seria o ambiente mais adequado para problematizarmos a visão unidimensional do mundo, quando nossa percepção das coisas parece estar compulsoriamente mediada por telas e dispositivos eletrônicos.
Se desejamos ser menos dispersos e mais fluentes, comecemos por acionar mais vezes o modo on/off e procuremos incrementar o discurso com movimentos ora suaves, ora agitados; ora profusos, ora econômicos, feito rio.